ASPECTOS MORFOSSINTÁTICOS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

MESA-REDONDA: ASPECTOS MORFOSSINTÁTICOS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Coordenadora: Maria Aparecida Torres de Morais (USP)

 

Subespeficação de Traços-f e Movimento-A em Português Brasileiro

Jairo Nunes, Universidade de São Paulo 

O português brasileiro tem sido analisado como uma língua bastante interessante para o debate sobre como analisar a Teoria de Controle dentro do Programa Minimalista na medida em que apresenta controle obrigatório em orações finitas (e.g. Ferreira 2000, 2009, Rodrigues 2002, 2004, Nunes 2008, 2009, 2010), favorecendo uma abordagem em termos de movimento para posições temáticas (e.g. Hornstein 1999, 2001, Boeckx, Hornstein e Nunes 2010). Parte da evidência para essa análise envolve construções com hiperalçamento a partir de orações finitas e infinitivos flexionados (e.g. Ferreira 2000, Nunes 2010). Neste trabalho discuto a interação entre a especificação de traços-f de Infl e dos pronomes nominativos em português brasileiro, argumentando que hiperalçamento produz ou não resultados gramaticais (com variação dialetal) a depender de o conjunto de traços-f associado aos elementos em concordância ser ou não subespecificado. Mais especificamente, argumento que o enfraquecimento geral da concordância verbal e nominal no português brasileiro e a expansão dos contextos de singulares nus no sistema fizeram com que os pronomes passassem a ser maciçamente subespecificados em relação aos seus traços-f: (i) em relação ao traço de número, sua valoração como singular só é requerida para um dos pronomes (eu); e  (ii) em relação ao traço de pessoa, seu único valor possível é o de primeira pessoa e essa especificação só é necessariamente requerida (em alguns dialetos) por um pronome (nós), já que o valor de pessoa para eu pode ser determinado por uma regra de redundância lexical. Assumindo que Infl em português brasileiro pode estar associado a um conjunto completo ou incompleto de traços-f (Ferreira 2000, Nunes 2008, Petersen 2011), hiperalçamento somente será possível quando o sujeito movido puder entrar numa relação de concordância com um Infl com um conjunto incompleto de traços-f. O trabalho também mostrará que as restrições encontradas em hiperalçamento de sujeito não se aplicam a hiperalçamento de tópico (Martins e Nunes 2005, 2010), por que DP movido não entra numa relação de concordância com o Infl encaixado.

 

Relativas cortadoras: mudança ou variação?
Inês Duarte, Universidade de Lisboa

Nesta comunicação, ocupar-me-ei das relativas cortadoras, discutindo se elas são um produto de mudança – uma inovação do português brasileiro da segunda metade do século XIX, como defendeu Tarallo (1985: 362) – ou, pelo contrário, um caso de variação, indexada à língua oral.
Com base em textos do português antigo e do português clássico, em dados do Português Fundamental e em dados mais recentes, do estudo de Arim et al (2005), defenderei que as relativas cortadoras são persistentes ao longo da história da língua portuguesa e são tipicamente uma estratégia do modo oral para evitar o pied piping. Dados de outras línguas românicas corroboram esta perspectiva.
Os dados históricos e interlinguísticos acima mencionados, bem como a “especialização” da estratégia cortadora na língua oral, serão tentativamente captados no quadro da Teoria da Gramática esboçada pelo Programa Minimalista.
Referências
Arim, E., C. Ramilo & T. Freitas (2005). Estratégias de Relativização nos Meios de Comunicação Social Portuguesa. www.iltec.pt/pdf/wpapers/2005-redip-relativas.pdf
Tarallo, F. (1985). The Filling of the Gap: pro-drop Rules in Brazilian Portuguese. In King & Maley, orgs., Selected Papers from the XIIIth Linguistic Symposium on Romance Languages: 355-375. Amsterdão: John Benjamins.

 


Microvariação sintática: relevância para os estudos de aquisição
João Costa, Universidade Nova de Lisboa

A comparação entre as propriedades sintáticas e morfológicas do português europeu e do português brasileiro tem permitido descobrir alguns fatores de microvariação e identificar os átomos de variação paramétrica que diferenciam estas duas variedades do português. O estudo sistemático das propriedades da flexão e do sistema pronominal têm permitido mostrar que as propriedades interpretativas e morfológicas dos pronomes nulos e lexicais são distintas nas duas línguas, ainda que por vezes sejam superficialmente idênticos (ver, por exemplo, Modesto 2008, Rodrigues 2004, entre outros).
A literatura em aquisição da linguagem mostra que o valor dos parâmetros é fixado muito cedo (Wexler 1998). Ainda assim, há aspetos do desenvolvimento sintático que são adquiridos mais tardiamente, em particular os que dependem de uma estabilização das interfaces da componente sintática com outras componentes sempre que escolhas entre outputs convergentes estão envolvidas (cf. Reinhart 1999, Grolla 2006, Costa e Szendroi 2006, Costa 2010).
Nesta comunicação, apresento alguns resultados da investigação sobre a aquisição de dependências referenciais em português europeu, mostrando como as condições sobre interfaces e a fixação precoce de valores paramétricos predizem os comportamentos das crianças testadas e discuto caminhos para um estudo comparado entre a aquisição do português europeu e do português brasileiro, explicitando predições para a microvariação na aquisição e, se possível, apresentando alguns resultado de testes piloto de investigação comparada.

 


Sobre construções com “se” e posição de sujeito no português brasileiro do século XIX
Juanito Avelar,  Universidade Estadual de Campinas
Sonia Cyrino, Universidade Estadual de Campinas

No português brasileiro, alguns verbos transitivos admitem que argumentos externos com interpretação locativa sejam introduzidos por uma preposição de valor igualmente locativo, que pode ou não ser antecedida de um advérbio pronominal: Aquela loja vende todos os tipos de livro / (Lá) naquela loja vende todos os tipos de livro.
Para Avelar & Cyrino (2009), pelo menos dois fatores devem ter atuado para determinar a emergência dessa variação: (a) a supressão do pronome indeterminador/apassivador “se” e (b) o surgimento do que se convencionou chamar na literatura gerativista de “concordância defectiva”, em que o verbo pode concordar com uma categoria cujos traços de número e/ou pessoa não estão disponíveis.
Seguindo a vertente diacrônica da Teoria de Princípios e Parâmetros (Roberts 2007), à luz de pressupostos do Programa Minimalista (Chomsky 1995), este trabalho analisa dados extraídos de jornais paulistas no século XIX, com o objetivo de verificar se a entrada de constituintes locativos preposicionados em posição argumental pode ser associada à queda do se e à emergência de concordância defectiva, tal como previsto pela hipótese de Avelar & Cyrino.
O estudo analisou construções com se em que o argumento do verbo apresenta marcas de plural, obtendo os seguintes resultados: (a) no decorrer do século XIX, há uma diminuição progressiva na concordância de VERBO+SE com seu argumento; (b) na primeira metade do século, não há uma posição fixa para a ocorrência de constituintes preposicionados no interior de sentenças com VERBO+SE, enquanto na segunda metade os constituintes preposicionados locativos tendem a ocorrer adjacentes (em anteposição ou posposição) ao verbo; (c) da primeira para a segunda metade do século, diminui a frequência de constituintes locativos dentro de construções com VERBO+SE, o que nos sugere que, assim como os argumentos externos (pro)nominais de terceira pessoa, os constituintes locativos preposicionados passaram a migrar para a posição de tópico, onde ficam sujeitos a sofrer apagamento se, no contexto de sua realização, tiver proeminência discursiva; (d) a partir da segunda metade do século XIX, o constituinte locativo tende a ser anteposto ao verbo nos casos em que o argumento de VERBO+SE não se encontra nessa posição. Esses fatos indiciam que é possível associar propriedades das construções com VERBO+SE tanto à emergência de concordância defectiva quanto a alterações significativas na sintaxe de locativos preposicionados.
           
As propriedades do adjetivo: um estudo comparativo entre o PB e o PE
Denilda Moura, Universidade Federal de Alagoas

Neste trabalho no campo de sintaxe, pretendemos:  a) discutir as propriedades do adjetivo, a partir das distinções estabelecidas entre as categorias lexicais, cf. Chomsky, 1970;  b) propor uma análise comparativa entre o PB e o PE sobre a concordância do adjetivo, a partir da utilização do banco de dados do Português Falado, do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (2001); c) para a análise comparativa, em frases predicativas, será utilizado o referencial teórico da sintaxe gerativa, cf. Chomsky (1995, 1998, 2001) e aportes da teoria dos traços-phi, cf. Harley & Ritter (2002), Béjar (2003, 2008), Harbour, Adger e Béjar (2008) e Carvalho (2008).