DIACRONIA DO TEXTO – TRADIÇÕES DISCURSIVAS

MESA REDONDA: DIACRONIA DO TEXTO – TRADIÇÕES DISCURSIVAS
Coordenadora: Maria Lúcia da C. V. de O. Andrade (Universidade de São Paulo)

 

História dos Textos e Gramática Histórica
Johannes Kabatek, Universidade de Tuebingen

A história da linguística está marcada pelas mudanças de paradigma, e geralmente a inovação vem acompanhada pelo abandono de temas anteriores, substituindo-se, em geral, uma visão parcial sobre a língua por outra.
Assim aconteceu no caso da primazia da linguística sincrônica a partir de Saussure (que deixou de lado a linguística histórica), assim com a primazia da gramática (que deixou de lado o texto).
E assim também aconteceu quando nasceu a linguística textual junto com a tipologia textual: pelo menos alguns pesquisadores tenderam a colocar o texto no centro de sua atenção, e deixaram de se interessar pela gramática (e também pela configuração histórica dos textos).
Nos últimos anos, com o interesse pelas tradições discursivas, investigadas a partir de diferentes posições teóricas, recuperou-se a preocupação pela história dos textos. Mas o linguista interessado em gramática histórica não pode substituir esta pela história dos textos; ainda mais: a pura descrição histórica dos textos não precisa realmente do conhecimento do linguista, tratando-se de uma tarefa de reconstrução histórico-cultural, independente das questões linguísticas no sentido estrito.
Na nossa contribuição, não se trata de criticar uma visão sobre a história dos textos, independente da gramática; os nossos argumentos centraram-se na importância que tem a visão textual para o estudo histórico da gramática e para os processos de gramaticalização. O postulado principal é que a inclusão da noção de tradições discursivas na linguística histórica não estabelece um campo separado senão um aspecto a ter em conta numa visão integral.

 

Comunicação: Discurso e tradição em anúncios publicitários
Helena Nagamine Brandão, Universidade de São Paulo

Pretendo refletir sobre a origem e função dos gêneros discursivos que versam sobre o elogio e a crítica (discursos epidíticos, na classificação de Aristóteles), verificando como eram considerados na Antiguidade clássica e como se manifestam hoje.
Embora Aristóteles reconheça que o epidítico seja o lugar tanto do belo quanto do feio, das virtudes e do vício, é a virtude, o belo, que ocupa o espaço mais amplo nos seus estudos retóricos, pois efetivamente era o elogio que prevalecia nas práticas discursivas institucionalizadas na época.
Contrariando a  tendência  dos estudos clássicos que atribuíam um lugar menor ao discurso epidítico em favor do deliberativo e judiciário, teóricos modernos  (Nova Retórica) reabilitam o gênero epidítico, atribuindo-lhe um lugar fundamental no campo da argumentação.
Como o elogio é um discurso que ilumina a grandeza de uma virtude, para atingir o seu auditório, o  orador deve mobilizar procedimentos, técnicas que mostrem que suas ações de linguagem são frutos de escolha e intenção e não mero exercício que visa ao brilho e ostentação da palavra.
Analiso, dentre as produções discursivas da modernidade, como o discurso do elogio é trabalhado em anúncios da mídia impressa verificando como a tradição do elogio permanece e/ou se desloca no discurso do texto publicitário.

 

Processos de construção do  texto                                                     
Clélia Cândida Abreu Spinardi Jubran, UNESP-S. J. Rio Preto

Nosso objetivo é apresentar uma proposta de incorporação do texto, especialmente de seus processos de construção, como objeto de estudos da Linguística Histórica. Tal proposta parte do conceito de linguagem como interação social, entendendo que a interlocução verbal é mediada por práticas sociais de exercício da linguagem, em determinados contextos, com finalidades comunicativas específicas.
Nessa linha, fundamenta-se na noção de Tradição Discursiva (TD), formulada pela lingüística românica alemã, elegendo, dentre as modalidades de TDs, os gêneros discursivos como filtro para a análise diacrônica de processos de construção textual, como: topicalidade, repetição, paráfrase, parentetização e referenciação. Essa opção teórico-metodológica de estudo desses processos no âmbito de gêneros discursivos justifica-se pela concepção de diacronia aqui assumida: afastando-se do conceito de diacronia linear, que considera o que se registra na língua no decorrer dos tempos, nos níveis fonético-fonológico, morfossintático, lexical e semântico, a proposta é a de que, em termos de construção textual, um processo de elaboração de texto não pode ser visto em etapas sucessivas da língua, independentemente de sua contextualização em gêneros discursivos consonantes com o histórico de uma tradição de conduta verbal socialmente institucionalizada.
Isto porque é desigual a ocorrência de determinado(s) procedimento(s) de construção textual em diferentes gêneros discursivos, pois um gênero pode propiciar a atualização de certos processos, e não de outros, por causa da função social a que se presta. Consequentemente, será também desigual a diacronia dos processos constitutivos do texto, já que: (i) um processo pode permanecer em um gênero e não ser mais registrado em outros; (ii) processos produtivos em um dado gênero podem se manter, se modificar ou mesmo desaparecer, bem como outros processos podem emergir, a depender da alteração ou não das práticas de linguagem vigentes em uma sociedade, nos seus diversos períodos históricos.
Para elucidar a aplicabilidade da proposta, serão apresentados resultados de análises de um corpus constituído por Cartas do português paulista, dos séculos XVIII e XIX.


Tradições Discursivas e Correspondência Pessoal:  estudo de formas de tratamento em cartas pessoais no português brasileiro
Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade, Universidade de São Paulo

A partir de textos selecionados da correspondência pessoal de Machado de Assis, organizada por Sérgio Paulo Rouanet (2009) e da obra Cartas da biblioteca Guita e José Mindlin, editada por Mary Lou Paris (2008), buscamos identificar e analisar as formas de tratamento, visando a caracterizar as Tradições Discursivas (TD), seguindo a proposta de Kabatek (2006), no que diz respeito à constituição do gênero epistolar (carta pessoal), que constituem o sistema discursivo das práticas sociais do século XIX.
Para tanto selecionamos, da correspondência pessoal de Machado de Assis, cartas escritas por homens e/ou mulheres que mantinham relações de amizade estreita com o escritor e outras em que se percebe uma relação menos intima e mais voltada para situações profissionais.  Em relação à correspondência de Guita e José Mindlin, foram selecionadas apenas as cartas escritas por mulheres (Carlota Joaquina, Adélia Prado e Ana Miranda)
Buscamos observar a dialogicidade, no corpus em foco, inscrita no texto por meio de marcas específicas, selecionadas pelo enunciador a partir das formas de tratamento e de escolhas lexicais organizadas de tal modo que a sintaxe desse discurso revele um uso significativo da língua nas décadas de 70 e 80 do século XIX (correspondência de Machado de Assis) e também nas cartas da coleção de Mindlin relativas ao século XIX e XX. 
Essa organização permite, assim, depreender a existência, entre outros, de um continuum no grau de proximidade/distância entre os enunciadores (cf. Brandão, Andrade e Aquino, 2009: 707).