ESTUDOS DE HISTÓRIA SOCIAL

MESA REDONDA: ESTUDOS DE HISTÓRIA SOCIAL
Coordenadora: Rosa Virgínia Mattos e Silva (UFBa)

Ainda aos olhos da inquisição: Níveis de alfabetização na Bahia en finais do  século XVI
Tânia Lobo, Universidade Federal da Bahia
Klebson Oliveira, Universidade Federal da Bahia

A justiça inquisitorial foi exercida por dois modos: o estável – vinculado às sedes dos tribunais – e o ambulante – derivado das visitações dos inquisidores a pontos diversos do território sob sua jurisdição. Diferentemente do que se verificou na América espanhola, com a instalação de tribunais no México e em Lima em 1569-1570 e também em Cartagena de Índias em 1610, na América Portuguesa, vingou o modo ambulante, tendo o Santo Ofício empreendido quatro visitas ao Brasil: no século XVI, à Bahia (nos anos de 1591 e 1592) e a Pernambuco (de 1593 a 1595); no século XVII, novamente à Bahia (em 1618); no século XVIII, ao Maranhão (em 1731), e, finalmente, também no século XVIII, ao Grão-Pará (de 1763 a 1769). Da primeira visitação resultaram, 9 livros, sendo 4 Livros de Denunciações, 3 Livros de Confissões e 2 Livros de Ratificações, todos depositados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa.
Analisando o conjunto de depoimentos prestados e assinados perante o Santo Ofício, constantes de todos os livros referentes à Bahia, este estudo (parte integrante de um projeto mais amplo, que investiga a história da alfabetização e as práticas de leitura e escrita na sociedade colonial brasileira com base no conjunto documental das quatro visitações feitas ao Brasil) recua à Bahia de final do século XVI, com dois objetivos centrais: 1) O de aplicar criticamente o chamado “método de cômputo de assinaturas”, indicador que, apesar de macroscópico, tem permitido instigantes aproximações sobre aspectos censitários da alfabetização em sociedades do Antigo Regime; 2) O de aferir os resultados obtidos aos extraídos por Renato Venâncio (2001) para o Brasil; por Francisco Ribeiro da Silva (1986), Justino Pereira de Magalhães (1994), Henrique Rodrigues (1995) e Rita Marquilhas (2000) para Portugal e ainda por Marie-Christine Rodríguez & Bartolomé Bennassar (1978), para a Espanha, atendendo, assim, ao requisito estabelecido por Rita Marquilhas de privilegiar o viés comparativo da análise e, portanto, “respeitar os estudos feitos para realidades social, geográfica e cronologicamente vizinhas da que se pretende estudar.” Considerando que uma parte do corpus a ser analisado se extraiu do Primeiro Livro das Confissões, precederá a apresentação dos resultados uma breve reflexão crítica sobre o conjunto de edições do referido livro até então localizadas.
Tal reflexão visa, sobretudo, a apontar problemas de ordem filológica que, afetando as edições, afetam, em igual medida, análises que porventura se façam a partir das edições disponíveis e que não levem em conta o manuscrito original. Justifica-se, assim, a necessidade de uma edição filologicamente sustentada, que também será levada a cabo pelos autores deste texto e por seus respectivos orientandos, não só do Primeiro Livro das Confissões, mas também de todo o conjunto documental produzido pelo Santo Ofício nas suas quatro visitações ao Brasil.

 

Medição de letramento no interior da Bahia oitocentista

 Zenaide de Oliveira Novais Carneiro (UEFS, CNPq e Fapesb)

 

Em Carneiro (2011), foi feito um estudo de medição de níveis de alfabetização com base na metodologia de Marquilhas (2000), a partir da capacidade de assinar de centenas de indivíduos de três localidades do sertão baiano oitocentista da região Nordeste: Bom Conselho, atual Cícero Dantas (1857-1860); Tucano (1865-1869) e Itapicuru (1875-1878), durante o ordenamento jurídico da Lei de Terras de 1850, no qual se produziu significativa documentação, tais como, os registros de terras feitos por párocos, os chamados Registros de Terras Eclesiásticas e os Livros de Notas feitos por escrivães locais, sob a guarda do Arquivo Público da Bahia/APEB/Fundo Provincial/Série Agricultura. Nesses documentos, constam registros sistemáticos das assinaturas dos envolvidos e declarações expressas dos escrivães a respeito daqueles que não possuíam capacidade para assinar, como comumente ocorre em documentação notarial. Neste trabalho, pretendemos dar continuidade ao levantamento feito na região Nordeste, incluindo as localidades de Santa Tereza do Pombal (1858-1859), Serrinha (1857-1860) e Jeremoabo (1854-1880). Também será feito um paralelo com a região Oeste, via amostragens documentais semelhantes oriundas de Santana do Sacramento do Angical (1857-1859), São Francisco das Chagas da Barra do Rio Grande (1858-1862), Santana do Campo Largo (1857-1859), São José da Carinhanha (1859-1860), São Miguel de Cotegipe (1857-1858) e Santa Rita do Rio Preto (1857-1899). Essas são regiões em que ocorreram amplos processos de contato linguístico durante o período colonial baiano e de maneira diversa. O objetivo central é contribuir para o estudo da penetração da escrita no Brasil, uma via importante para o estudo histórico do português brasileiro (Houaiss, 1985; Mattos e Silva, 1998), bem como para a datação de mudança linguística a partir de corpora escritos, tendo em vista, neste caso, do fato de se tratar de regiões com baixíssimos níveis de alfabetização (Carneiro e Almeida, 2006), ainda não estudadas sob essa perspectiva.

Referências
APEB. Documentos do Governo Provincial. Série Agricultura.

CARNEIRO, Z. O. N. Resultados sobre medição de letramento nos “sertões de dentro”, a partir de livros cartoriais (1857-1908), trabalho apresentado no XVI Congresso Internacional da Associação de Lingüística e Filologia da América Latina

CARNEIRO, Z. O. N.; ALMEIDA, N. L. F.. A criação de escolas a partir de critérios demográficos na Bahia do século XIX: uma viagem ao interior. In: Lobo, Tânia; Ribeiro, Ilza; Carneiro, Zenaide e Almeida, Norma. (Org.). Para a História do português brasileiro: novos dados, novas análises. Salvador: Edufba, 2006, v. 2, p. 649-674.

HOUAISS, Antônio. O português no Brasil. Rio de Janeiro: UNIBRADE, 1985.

MARQUILHAS, R. A faculdade das letras. Leitura e escrita em Portugal no século XVII. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2000.

 

 

Medição de letramento no interior da Bahia oitocentista (2ª  parte)
Norma Lúcia de Almeida, Universidade Estadual de Feira de Santana

De modo geral, os países de colonização portuguesa, em seus processos de formação, tiveram como característica, entre outras, a tardia implantação de sistemas educacionais e urbanísticos. Em Carneiro e Almeida (2006), foram apresentados dados sobre a criação de escolas no período imperial e as implicações linguísticas advindas desta tardia implantação.
Dentro desta perspectiva, e procurando dar continuidade ao que já foi pesquisado, o objetivo deste trabalho é apresentar alguns elementos sobre o processo de constituição da língua portuguesa falada na Bahia, mais especificamente sobre aspectos que possam ter contribuído para o processo consolidação e estandardização do português no semiárido baiano durante as primeiras décadas do século XX, tendo como fontes de pesquisa documentos oficiais e pessoais, livros, teses de doutorado e dissertações de mestrados de diversas áreas do conhecimento, depoimentos gravados, entre outros materiais. 
Dois temas serão mais discutidos neste estudo, a saber: o processo acelerado de urbanização ocorrido nas primeiras décadas do século XX e a “democratização” da escola também ocorrida de forma mais acentuada no século XX.

 


Demografia histórica e inferências sobre a difusão da língua portuguesa: o  Brasil no imaginário do Censo de 1872
Dinah Callou, Universidade Federal do  Rio de Janeiro
Afranio Barbosa, Universidade Federal do  Rio de Janiero

Discute-se, em geral, a evolução histórica de cidades, com vistas à interpretação do português brasileiro, marcadamente heterogêneo, dentro do pressuposto de que o lingüístico reflete o social. Na discussão do tema, vem à tona o fato de que informações lingüísticas inferidas de dados histórico-demográficos de censos e mapas de população, produzidos na Colônia e no Império brasileiros, devem, algumas vezes, ser postas sob suspeita, até mesmo porque, não raramente, seus números são contraditos pelas informações encontradas em fontes oficiais e não-oficiais de outra natureza. Deve-se, pois, ter sempre em mente as palavras de Lass (1997: 5): “As histórias da língua são como todas as histórias, mitos, pois não se pode saber o que realmente significam os documentos encontrados e registrados na história”.
Dessa forma, nosso objetivo é tratar das fontes demográficas oficias do mesmo modo como tratamos dos demais conjuntos documentais, como uma realidade em si que embasa nosso constructo histórico que, por sua vez, dialoga com outros construtos, a partir de fontes documentais diversas. Em outras palavras, os próprios mitos demográficos, construídos em um Censo Oficial, são interpretados como um objeto de estudo a ser considerado na Sociolinguística-Histórica, independente do fato de seu maior ou menor grau de reflexo da realidade histórica. 
Se não sabemos “o que realmente significam os documentos históricos”, também não sabemos o que realmente significam os números dos censos oficiais, mas, com certeza, podemos tentar entender que comunidades imaginárias existiam aos olhos oficiais em cada época.
Neste trabalho, com base no recenseamento do Império do Brasil, de 1872, são abordados os dados demográficos de três pólos demográficos brasileiros – Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Buscamos inferências possíveis sobre o avanço da língua portuguesa em relação às “raças” distribuídas, segundo uma mesma metodologia de época, pelos graus de instrução e pelas capitais e pelo interior das Províncias. A despeito das imprecisões suspeitas, a imagem projetada pode nos revelar certas proporções que possibilitem relacionar os “mitos” demográficos à real diversidade sociolinguística de final dos oitocentos.
Referências
LASS. R. 1997. Historical linguistics and linguistic change. Cambridge University Press.

 

Escolarização e sua relação com a demografia no extremo sul baiano
Rosa Virgínia Mattos e Silva, Universidade Federal da Bahia
Emília Helena Portella Monteiro de Souza, Universidade Federal da Bahia

Esta comunicação dá continuidade a trabalhos anteriores que foram sobre a Província da Bahia no século XIX, a Capitania de Ilhéus e, mais recentemente, sobre a capitania de Porto Seguro. Buscou-se, nesses dois últimos trabalhos, apresentar dados sobre a demografia histórica e sobre a escolarização, num percurso temporal que vai do século XVI ao XIX. Sobre a Capitania de Porto Seguro, as questões históricas levantadas tiveram como foco a vila de Porto Seguro, sede da capitania fundada por Pêro do Campo Tourinho, em 1535, e seu entorno.
As povoações e vilas que foram sendo criadas ao longo dos séculos, na área referente à antiga Capitania, se tornaram municípios baianos da região do extremo sul, e serão objeto do presente estudo. Pretende-se mapear essa área, dando informações históricas sobre esses municípios, que totalizam 21, incluindo a cidade de Porto Seguro, quanto a populações, criação de escolas, professores e alunos. A investigação dos dados se dará em fontes primárias, como Atos e Resoluções do Governo da Província da Bahia, relatórios e falas de Presidentes da Província da Bahia, manuscritos obtidos em arquivos públicos; e em fontes secundárias, como censos e obras de historiadores do século XVIII, aos dias atuais.
Sabe-se que essa região, do ponto de vista econômico, muito pouco prosperou, ao longo dos séculos, haja vista o que diz Almeida Prado (1945, p. 326, 327), ao se referir aos depoimentos do viajante inglês, Thomas Lindley, em seu livro, como resultado de sua passagem por Porto Seguro, quando foi detido para averiguações, no início do século XIX. Esse se refere à pobreza geral de Porto Seguro, e compara a sede da capitania à cidadezinha de Caravelas, no extremo sul de Porto Seguro, “na raia do Espírito Santo”, como se aquela apresentasse situação pior que essa.
Quanto à instrução, os jesuítas, no tempo em que permaneceram pela capitania, aliaram a catequese ao ensino, que ofereciam aos filhos dos colonos e indígenas. Depois de expulsos pelo diretório pombalino, na segunda metade do século XVIII, foi criado um novo sistema de ensino, que incluía, para a sua efetivação, um conjunto amplo de medidas culturais e administrativas. Esse processo de estatização da educação trouxe atrasos significativos na implantação das aulas, repercutindo, sobremodo, na escolarização das crianças e jovens.
Além do atraso, a própria precariedade desse sistema, haja vista os resultados dos censos oficiais do século XIX. Portanto, são objeto desta pesquisa, as condições sociais das vilas, posteriormente, municípios, grupos étnicos existentes, o movimento populacional, a criação de escolas do extremo sul baiano, concorrendo para cobrir a Bahia, já que para o semi-árido já está realizado por Zenaide O. Novais Carneiro e Norma Lúcia F. Almeida da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS/ PROHPOR) e, no Sudoeste, vem trabalhando Lucas Santos Campos, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB/ PROHPOR).
Referências
(ALMEIDA PRADO, J. F. (1945). A Bahia e as Capitanias do Centro do Brasil (1530-1626): história da formação da sociedade brasileira. I Tomo. São Paulo: Companhia Editora Nacional.)