LÉXICO

MESA REDONDA: LÉXICO
Coordenadora: Ieda Maria Alves (USP)

 

O léxico como conhecimento lexical: dados e estratégias
Margarida Basilio, PUC-Rio de Janeiro

A questão da diacronia é deveras problemática no estudo do  léxico, entendido como conhecimento lexical, já que este é sincronicamente percebido como um legado, o conjunto de palavras da língua,  mas deve também incluir mecanismos responsáveis pelo entendimento e aceitação ou não de novas (?) formações, assim como de diferentes relações entre forma e significado e alternativas de uso.
No gerativismo lexicalista, por exemplo, a concepção do léxico como conhecimento leva a uma série de dicotomias, tais como entradas lexicais relacionadas por regras de redundância, regras de formação que atuam sobre palavras, objetos morfológicos  que opõem a listemas.
No estruturalismo saussuriano, por outro lado, propõe-se o mecanismo da analogia proporcional na formação de novos itens lexicais, incidentais frente à atemporalidade da langue. 
Na verdade, dada a multidimensionalidade do léxico, que se expande em várias direções,  a presença da história no conjunto sincrônico se faz sentir de diferentes maneiras, desde as discrepâncias morfológicas em formas paradigmaticamente regulares (por ex. construir/construção) até as propriedades semânticas supostamente inesperadas, ainda que previsíveis no montante e teor de sua especificidade (por ex., construção como efeito do ato de construir e, portanto, designação genérica de tudo que é construído).  A análise de construções lexicais em suas múltiplas dimensões nos leva a considerar a proposição de esquemas como resultado da gradual consolidação no uso de padrões analógicos, sendo este um processo que se estende no tempo e, portanto, se adapta melhor à descrição do léxico, tão conhecido, em termos gerais ou particulares, como a mais cambiante das partes de uma língua. 
No presente trabalho, concebendo o léxico como um sistema dinâmico de unidades que servem à representação conceitual e construção de enunciados, abordamos o conhecimento lexical como processo contínuo de fatos e acidentes históricos que consolidam estratégias de  aquisição, reconhecimento e produção de unidades lexicais.

 

PARA UMA FORMALIZAÇÃO DE MODELOS DIACRÔNICOS EM MORFOLOGIA
Mário Eduardo Viaro, Universidade de São Paulo

A formalização de modelos é bastante apreciada em vários setores da Linguística.
No terreno da Morfologia, há, inclusive, obras bastante extensas dedicadas ao tema (MEL??UK 2006), as quais não apresentam aceitação tão universal como ocorre na sintaxe.
No entanto, para os estudos diacrônicos em Morfologia, alguns conceitos provocam contradição interna e a formalização daí decorrente.
Com base nos resultados do Grupo de Morfologia Histórica do Português (GMHP-USP) e na dicotomia entre Linguística da Comunicação versus Linguística Descritiva, serão discutidos os pressupostos básicos, as incompatibilidades lógicas (e portanto teóricas) e algumas soluções para que o dado morfológico diacrônico seja entendido da maneira mais condizente à sua natureza histórica e plural, não necessariamente vinculado ao que se convencionou, de forma quase dogmática, chamar de sistema linguístico.
Por outro lado, apresentar-se-ão os possíveis caminhos trilhados pela Linguística da Comunicação e da sua urgente necessidade de diálogo com a Psicologia.

 

Vocabulário das enfermidades em documento do Brasil Colonial : o relato de Prodigiosa Lagoa (1749)
Clotilde de Almeida Azevedo Murakawa, UNESP - Araraquara

O Projeto do Dicionário Histórico do Português do Brasil - séculos XVI, XVII e XVIII (DHPB), no âmbito do Programa Institutos do Milênio do CNPq, foi estruturado por Maria Tereza Biderman e está sendo construído sobre uma base informatizada de aproximadamente 10 milhões de ocorrências,  que reúne documentos impressos dos três séculos do período do Brasil Colônia. O acervo documental se inicia com a Carta de Pero Vaz de Caminha, de 1500 e termina com documentos datados do ano de 1808, quando chegou ao Brasil a Família Real Portuguesa. Os documentos são de natureza e gênero diversos e muitos deles estão em sua edição princeps.
Várias obras do corpus já foram objeto de estudo de historiadores, mas não receberam ainda um tratamento linguístico. Dentre as inúmeras obras desse conjunto textual, destaca-se o relato Prodigiosa Lagoa, datada de 1749 e publicada em Lisboa, na Officina de Miguel Manescal da Costa, Impressor do Santo Officio e cuja autoria foi atribuída ao cirurgião português João Cardoso de Miranda.
Em seu frontespício a obra informa: Prodigiosa Lagoa descuberta nas Congonhas das Minas de Sabará, que tem curado a varias pessoas dos seus achaques, que nesta relação se expõem. Esta obra é um relato que reúne, em 27 páginas, 107 casos de pacientes, nominalmente identificados, portadores de alguma enfermidade, que conseguiram se curar graças às virtudes medicinais das águas da conhecida Lagoa Grande, situada na Capitania das Minas Gerais, Comarca do Rio das Velhas, a seis léguas da Vila de Sabará. 
Notícias sobre as propriedades medicinais da água da lagoa, chegaram a Portugal  por volta de 1747. Por esta razão, vários barris da água foram levados, por encomenda, para Portugal. A importância do relato para os estudos linguísticos reside no repertório lexical que dá nome às enfermidades da época, testemunhando não só as doenças que acometiam os indivíduos naquela época, mas também como a língua portuguesa as denominava, muitas delas ainda hoje unidades terminológicas.
O inventário lexical extraído de Prodigiosa Lagoa permite também identificar as unidades lexicais que sofreram alteração fonético- morfológica e as que caíram em desuso. Esta comunicação apresenta o repertório lexical, a definição das unidades e as alterações que sofreram ao longo do tempo.

 

AFIXOS INTENSIVOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO
Ieda Maria Alves (USP)

Nesta exposição, apresentamos algumas considerações sobre a expressão da intensidade no português brasileiro contemporâneo. A expressão da intensidade, em nosso idioma, pode manifestar-se sob diferentes formas: por distintas classes de palavras, os advérbios (bastante, extremamente, muito...) e os nomes, tanto substantivos (grandiosidade, maravilha) como adjetivos (horrível, formidável); pela derivação (sufixos -aço, -ão, -érrimo, -inho, -íssimo, -ito... e prefixos hiper-, mega-, super-, ultra-, mini-, nano-...); e por expressões familiares com valor adverbial (à beça!, prá caramba!). Vamos limitar-nos, nesta apresentação, ao estudo da intensidade expressa por meio da derivação prefixal e sufixal. Observamos, inicialmente, como a tradição gramatical em língua portuguesa tem mostrado que a intensidade é expressa, especialmente, por meio de sufixos. Assim, se tomarmos como exemplo a Nova gramática do português contemporâneo, de Cunha e Cintra (1985), observamos que o estudo dos sufixos aumentativos e diminutivos ocupa uma parte do capítulo Derivação e composição; já a prefixação intensiva é abordada apenas em relação a alguns prefixos que denotam “posição” e, secundariamente, “excesso”. Observamos também, com base em corpora do Projeto Nurc e também em corpora jornalísticos, que a manifestação da intensidade por meio de prefixos, antes restrita a alguns morfemas prefixais, vai aumentando gradativamente no decorrer da segunda metade do século passado com a incorporação de elementos que não exerciam função prefixal ou que, semanticamente, deixaram de designar “posição” nas formações neológicas, passando a expressar apenas “intensidade”.  Observamos, por fim, alguns casos de concorrência entre prefixos e sufixos, que podem manifestar-se tanto em relação a uma mesma unidade lexical (supersaldão), como, discursivamente, por meio de distintas unidades lexicais (famosíssima, ultrafamosa praia do Pinto) que co-ocorrem. Atualmente, podemos afirmar que o português brasileiro dispõe não somente de um sistema sufixal como também de um sistema prefixal para exprimir a intensidade.