GRAMÁTICA E GRAMATICALIZAÇÃO

MESA REDONDA: GRAMÁTICA E GRAMATICALIZAÇÃO
Coordenadora: Maria Helena de Moura Neves (UPM-UNESP-Araraquara)

Gramaticalização, gramática e funcionalismo
Sebastião Carlos Leite Gonçalves, UNESP, São José do Rio Preto

Adotando-se uma perspectiva funcionalista, que toma a gramaticalização de orações como quadro de investigação (HOPPER, TRAUGOTT, 2003, LEHMANN, 1988), meu objetivo é apresentar os padrões funcionais de orações subjetivas na história do português. O córpus diacrônico da investigação é constituído de textos de gêneros variados dos séculos XIII ao XX, organizados por Tarallo (1991).
Adotando-se como principal critério a apuração de frequência token/type de padrões que constituem o complexo oracional de orações subjetivas, mostro que a mudança mais drástica de padrões é verificada da fase arcaica para a fase moderna do português, mudanças na qual se envolvem os seguintes parâmetros: a) de ordem morfossintática, a mudança de orações finitas para infinitivas e a de predicados matrizes verbais para predicados adjetivais; c) no nível semântico-pragmático, a expressão de modalidade epistêmica para a de modalidade deôntica, o que leva ao questionamento, em termos da gramaticalização de modalidades, da precedência de valores deônticos sobre valores epistêmicos (cf. BYBEE et al., 1994).

 

Gramaticalização, gramática e variação

Ronald Beline, Universidade de São Paulo

Com base num córpus relativamente pequeno (as entrevistas compartilhadas do NURC/SP - Castilho & Preti, 1986 e 1987), Mendes (1999) constatou que, a partir da redução fonética do auxiliar "estar", o composto "ta+gerúndio" revela tendência à coesão morfossintática. Nesta apresentação comemorativa dos trabalhos sobre gramaticalização orientados e desenvolvidos por Ataliba de Castilho, reporam-se os resultados de uma análise variacionista mais recente, a partir das ocorrências dessa perífrase num conjunto de mais de 100 entrevistas sociolingúsitcas com paulistanos, gravadas em 2009 e 2010 pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Sociolinguística da USP. Tais análises não apenas confirmam a tendência à coesão entre os termos da perífrase, mas também trazem evidências da afixação de "ta" ao gerúndio.

 

Gramaticalização , gramática e ensino do português
Vânia Cristina Casseb Galvão, Universidade Federal de Goiânia

Os Parâmetros Curriculares Nacionais idealizam o ensino de língua portuguesa a partir de situações do uso efetivo da língua. Por isso, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio, os agentes de ensino e aprendizagem precisam vivenciar processos que explicitem a heterogeneidade lingüística, entre os quais, aqueles que mostram a refuncionalização de velhas formas, o aproveitamento de expressões lingüísticas já implementadas no sistema lexical das línguas para novas funções, na gramática ou no discurso, processos estudados pela Teoria da Gramaticalização. 
A compreensão dos processos naturais de mudança e de renovação da gramática da língua é fundamental como atividade didática, pois favorece ao aluno uma visão ampliada das movimentações lingüísticas, uma compreensão não reducionista, limitada aos estudos dos neologismos, por exemplo.
Tal incursão oferece a oportunidade de se conhecer a língua como enunciação, como sugere Castilho (1998, p. 12) em “A língua falada no ensino do português”. Aliás, Castilho, nessa obra tão singular, mais especificamente, no capítulo 3, item 4, traz uma proposta inaugural a respeito da importância de se examinar no âmbito da educação básica as transformações da hierarquia lexical, ao admitir que as palavras estão continuamente sujeitas a processos de gramaticalização (p. 128).
A partir do pressuposto de que as funções e as categorias das expressões lingüísticas são contextualmente estabelecidas, proponho uma sequência didática voltada para o nível médio de ensino, enfocando princípios inerentes à gramaticalização e fenômenos de gramaticalização visíveis em determinados gêneros discursivos. A análise dos estágios polissêmicos das formas em gramaticalização e dos efeitos de sentido que elas ajudam a produzir nos textos favorece o desenvolvimento de habilidades discursivas que põem em relevo a efervescência da língua portuguesa e de sua gramática.

 

Gramaticalização, gramática e lexicografia
Maria Helena de Moura Neves, Universidade Presbiteriana Mackenzie; UNESP-Araraquara.

A pesquisa mais geral se aplica à definição e ao registro das categorizações dos itens da língua encontráveis nos diversos tipos de obras disponíveis no Brasil (gramáticas, dicionários, texto da Nomenclatura Gramatical Brasileira, trabalhos acadêmicos, etc.), mas o foco desta apresentação está nas obras lexicográficas, já que a abertura das entradas com marcação categorial é uma tarefa canônica desse tipo de obra, o que implica uma discussão de critérios de resolução.
A proposta se desenvolve, pois, pelo entendimento de que o dicionário é, ao lado do manual de gramática, um espaço essencial de revelação do assentamento potencial das categorizações gramaticais. Fica estabelecido, sobre uma base teórica funcionalista comum a diversas correntes, que a discussão dos critérios deve ser feita por via do real funcionamento dos itens na língua (ou seja, da língua em uso), razão pela qual toda a análise recorre a consulta a um banco de dados (Córpus de Araraquara, com mais de 200 milhões de ocorrências).
A hipótese central assenta-se na incontestável fluidez categorial das línguas naturais, que se reflete em uma irresolução de critérios notável, passível de observação em dicionários de épocas e de tipos diversos, como os que foram submetidos a análise.
Estabeleci um recorte de campos gramaticais para exame (por exemplo, o campo de funcionamento adverbial), e em todos os campos ficaram evidentes a propriedade e o processo que adiante indico: a) a gradualidade existente no estabelecimento de categorizações, resultante do caráter fluido das fronteiras entre as categorias (a diluição de fronteiras); b) a forte tendência de encaminhamento dos itens para funções (mais) esquemáticas, mais gramaticais (a gramaticalização).
E é este processo, a gramaticalização, que dirige o exame da tomada de decisões dos dicionários que tenho efetuado (na busca da sua face lexicogramatical), do qual aqui apresento uma amostra.